sábado, 28 de novembro de 2009

Reportagem 5: Correio Braziliense:ublicação: 21/11/2009 09:11 Atualização: 21/11/2009 09:23



Vandalismo dá espaço ao artístico em Ceilândia

Projeto aprovado pela comunidade local começa a resgatar jovens das ruas da cidade e trabalhar, com cada um, o interesse em aperfeiçoar o talento por meio do grafite, que não é depredador


Mara Puljiz

Publicação: 21/11/2009 09:11 Atualização: 21/11/2009 09:23

A partir de hoje, os muros das entrequadras 18 a 26 de Ceilândia Sul não serão mais os mesmos. As velhas pichações darão lugar ao colorido e à beleza do grafite. Às 9h, cerca de 150 grafiteiros de todas as partes do Brasil e do mundo, munidos com mais de duas mil latas de spray, se encontrarão em um verdadeiro movimento cultural e artístico para pintar 100 paredes de casas e estabelecimentos, alvos de pichadores. A intervenção urbana faz parte do Projeto 100 Muros Mil Cores, que tem como estratégia resgatar jovens das ruas e despertar o interesse de cada um pela arte.

Rivas da Silva, um dos participantes do movimento, exibe sua criação: provável homenagem a Ray Charles
Os trabalhos de pintura dos muros começaram ontem pela manhã e só devem terminar no fim desta tarde, com o 1º Encontro Brasileiro de Grafiteiros, que reunirá artistas de Minas Gerais, do Amazonas e de países como Alemanha e Chile. José Cordeiro de Melo Neto, 31 anos — conhecido como Galo —, veio de Recife (PE) exclusivamente para participar da ação. Nas janelas de uma casa de esquina, enxergou dois olhos e começou a desenhar um grande boneco. “Cada pessoa imagina alguma coisa. Vai da criatividade de cada um”, explicou. O jovem pernambucano dedica-se ao grafite há 14 anos, mas viveu boa parte da sua vida pichando pelas ruas da capital pernambucana. Galo aprendeu a pichar com os amigos de escola quando tinha apenas oito anos. “Achava legal, mas via aquilo como uma brincadeira, assim como é a amarelinha e o pique-esconde, mas a gente vai crescendo e percebe que não é bem assim. A brincadeira virou um protesto e um escape para os problemas do dia a dia”, avaliou.

Desde que descobriu a arte de grafitar, a vida de Galo mudou. “O pichador tem problemas com os pais, com o síndico, o vizinho e com quem estiver por perto. Aquilo vai virando uma prisão. Já o grafite é como uma casa onde a gente encontra várias portas e dá de cara com vários ambientes. Tenho liberdade para fazer meus trabalhos e até já viajei vários lugares do mundo”, contou, orgulhoso. Outro que se dedica ao grafite há muito tempo — 20 anos — é Rivas da Silva Alves, 40. Quando tinha 15 anos, ele começou a pichar, mas logo descobriu que não era esse o caminho que pretendia seguir. “Essa idade é muito cruel porque é difícil desligar-se da adrenalina de sair à noite e riscar as casas. Sempre gostei de desenho, mas comecei a assistir a filmes de grafite e percebi que pichar não valia a pena”, relatou.


Ao enxergar, na janela da casa, dois olhos, grafiteiro não teve dúvidas: compôs a partir da primeira inspiração
Para o presidente da organização não governamental Zulu Break e também primeiro grafiteiro de Brasília na década de 1990, Gilmar Cristiano Satão, 37 anos, a proposta de pintar os muros de Ceilândia não se resume a levar a arte para as comunidades onde há jovens envolvidos com gangues de pichadores. A ideia também é levantar um debate em relação à questão da pichação no DF. “Grafite é uma arte e pichação está ligada ao vandalismo. Queremos regularizar o grafite”, disse ele. Na luta para que esse sonho se torne realidade, a Comissão do Meio Ambiente e Defesa do Consumidor do Senado aprovou, no dia 13 de outubro, o Projeto de Lei nº 138/2008.

O PL foi criado pelo deputado Geraldo Magela (PT-DF) com a finalidade de regularizar o grafite e buscar medidas para coibir a pichação. O mecanismo da lei faz a distinção das duas modalidades e propõe que nas embalagens da tinta conste a advertência de que pichação é crime e que a venda para menores é proibida. Após a sanção dessa lei, os fabricantes do produto terão 180 dias para se adequar. Enquanto isso, a os moradores de Ceilândia comemoram a pintura dos muros pichados da cidade. “Vai se tornar uma cidade mais linda e mais visitada também. Queremos também que esse projeto se estenda para as escolas públicas”, aprovou o morador Roberto Júlio Ferreira, 29 anos.

Personagem da notícia

Rafael Caldeira dos Santos
Rafael não fala nem escuta. Comunica-se utilizando a linguagem dos sinais, mas é da latinha de spray que ele consegue passar a melhor mensagem. O rapaz, cujo apelido é “Odrus” (surdo ao contrário), mora em Planaltina e é um ex-pichador. Há dois anos, ele descobriu no grafite o amor pela arte e resolveu deixar de rabiscar as paredes das ruas de Planaltina-DF. “Eu estava com vontade de aprender o grafite e um amigo me ensinou. Agora vou aprender muito mais”, escreveu ele em um bloco de papel da reportagem. Tudo o que Rafael quer é continuar grafitando. Ele já pintou mais de 30 muros nos últimos 24 meses e sente-se orgulhoso e feliz pelo trabalho que faz. “Eu amo grafitar”, resumiu, com sorriso largo no rosto. Ao final da entrevista, o jovem fez questão de deixar um recado para quem está pichando: “Eu aconselho a mudar de vida, porque o grafite mudou a minha e agora é só paz”.
Rafael Caldeira dos Santos, 27 anos


Pouco a pouco, espaços pichados vão dando lugar a desenhos com significados bem menos indecifráveis
Programação de hoje

# 9h – Criação de painel artístico na EQNN 24/26 de Ceilândia Sul

# 19h – Show de encerramento com B. Negão, os Seletores de Frequências de São Paulo e artistas locais.)

# Local: Estacionamento próximo à estaçaão do metrô. Entrada gratuita.


O que diz a lei

Pichar é crime ambiental previsto no Artigo 65, da Lei nº 9.605/98. A pena é de três meses a um ano de detenção e multa.

Se a pichação foi feita em monumento ou patrimônio tombado devido a seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena muda para seis meses a um ano, além de multa.

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